Introdução
Este
trabalho faz parte do levantamento de dados para a revisão do Balanço
de Carbono (objeto do Termo de Parceria 13.0020.00/2005) firmado entre
a Organização Social Economia e Energia – e&e – OSCIP e o Ministério
da Ciência e Tecnologia – MCT.
O
Balanço de Carbono na área de Energia foi elaborado a partir dos dados
energéticos do Balanço Energético BEN/MME e de coeficientes de emissão
usados para apuração do inventário das emissões que contribuem para o
efeito estufa na área energética.
O
Brasil é parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas comprometendo-se a efetuar periodicamente um levantamento
das emissões causadoras do efeito estufa. A Organização e&e e o MCT
firmaram um Termo de Parceria (Nº 13.0020.00/2005) onde, através do
Balanço de Carbono, pode-se localizar eventuais falhas na apuração
dessas emissões que periodicamente são inventariadas, sendo os
resultados incluídos na Declaração que o País apresenta à Convenção.
No
Brasil a biomassa participa de forma significativa na matriz
energética. As emissões de CO2 provenientes da biomassa não
são contabilizadas[1]
como formadoras do efeito estufa já que em sua produção este gás é
extraído da atmosfera. Contudo, a contabilidade dos gases emitidos
pela biomassa é apurada já que outros gases, como o metano, são
incluídos no inventário. Por outro lado, a compreensão dos mecanismos
de reciclagem do carbono na atmosfera através da biomassa é importante
para a compreensão do fenômeno do aquecimento global.
A
importância da biomassa na matriz energética brasileira torna
necessário um tratamento mais cuidadoso das emissões dela
provenientes, já que a abordagem padrão definida pelo IPCC (International
Panel on Climate Change) está mais dirigida a perfis energéticos
onde a biomassa é menos importante. Apenas para realçar a relevância
do assunto, vale lembrar que quase um terço de nossa energia primária
provêm da biomassa e os produtos da cana (mesmo não considerando pontas e palha) já representam o segundo
energético primário em termos de oferta bruta no País.
O
objetivo deste trabalho é apurar os coeficientes mais adequados para
exprimir, para os principais combustíveis com origem na biomassa, o
teor de carbono por energia contida no combustível (medida pelo poder
calorífico inferior) expresso em tonelada de carbono por Tera-Joule (tC/TJ).
Devido à diversidade de processos de produção desses combustíveis, as
informações disponíveis na literatura técnica nem sempre apresentam o
grau de coerência necessário à produção de dados para as Comunicações
Nacionais à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do
Clima. Procuramos partir, em cada caso, de informações de uma única
fonte, baseadas em trabalhos de laboratório com a suficiente
especificação das amostras e dos métodos utilizados, cotejando os
resultados com os fornecidos pelo IPCC e investigando as eventuais
discrepâncias, inclusive com a realização de ensaios e de medições.
a) Lenha.
A
lenha é composta majoritariamente por celulose, hemicelulose e
lignina, em proporções variáveis conforme a espécie vegetal, e
substâncias menores, como resinas, nutrientes da planta e outras. É
natural, pois, encontrar ampla variação entre os dados de diferentes
fontes de informação sobre suas características físico-químicas, em
particular os teores de carbono e de hidrogênio e os poderes
caloríficos superior e inferior que entram na avaliação do coeficiente
de emissão de gases de efeito estufa, conforme a metodologia adotada
pelo IPCC.
Pesquisa em artigos publicados na Internet mostrou valores do poder
calorífico variando de 4.700 (eucalipto, acácia, gravílea) a 6.870
kcal/kg (mimosa), madeiras estas de uso industrial, sem menção
explícita do teor de umidade; para a lenha de uso residencial comum
não há informações que permitam a avaliação do teor de carbono e do
poder calorífico.
De
acordo com o Balanço Energético Nacional/2004, cerca de 63% da lenha
são destinados à transformação em carvão vegetal e ao uso como
energético nas indústrias de alimentos e bebidas, papel e celulose e
cerâmica; a espécie mais usada para essas finalidades é o eucalipto,
extensamente estudado por empresas siderúrgicas de Minas Gerais (Acesita,
Belgo-Mineira e Mannesmann, entre outras) e pela Fundação Centro
Tecnológico de Minas Gerais – CETEC. A Série de Publicações Técnicas
do CETEC contém importantes informações sobre o processo de produção
de carvão vegetal, sendo praticamente a única fonte pública de dados
sobre as propriedades físico-químicas do eucalipto. Assim, o
coeficiente de emissão para o eucalipto pode ser considerado como
representativo do uso energético da lenha.
O conhecimento do conteúdo
de carbono, hidrogênio e oxigênio de um combustível e de seu poder
calorífico superior permite calcular o poder calorífico inferior. Este
é base para os valores recomendados pelo IPCC dos coeficientes de teor
de carbono por energia e é também utilizado atualmente pelo BEN/MME
para expressar a energia em tonelada equivalente de petróleo (1 tep =
10000 Mcal).
O método de medição do
poder calorífico baseia-se, no balanço de energia, na combustão
completa da amostra, em geral com oxigênio puro, a volume constante, e
na transferência de calor para a água do calorímetro. A diferenciação
entre o poder calorífico superior (PCS) e o inferior (PCI) resulta da
consideração do estado final da mistura de gases de combustão e do
vapor d´água que se forma na queima de substâncias hidrogenadas[2].
Se o estado de equilíbrio térmico dos produtos da combustão com a água
do calorímetro ocorre sem a condensação do vapor d´água, o poder
calorífico medido é o inferior; se o vapor se condensa e a mistura é
resfriada à temperatura inicial (geralmente a do ambiente, tomada como
25°C), maior quantidade de calor é cedida ao calorímetro e o resultado
é o poder calorífico superior. A equação que relaciona os dois poderes
caloríficos é:
PCS = PCI + m(c ΔT +
L), (1)
sendo
m a massa da água de combustão,
ΔT
a diferença de
temperatura entre o ambiente e a temperatura de equilíbrio antes da
condensação e L
o calor latente
de condensação do vapor d´água.
O poder calorífico da lenha
de eucalipto foi obtido das seguintes fontes de informação:
- “Fonte primária
de energia – madeira combustível”, Martins, H; SPT 01, CETEC, 1980 –
PCS = 4.700 kcal/kg;
- “State of the
Art on Charcoal Production in Brazil”, Almeida, M. R. et al, Florestal
Acesita, 1982 – PCS = 4.200 kcal/kg (calculado pelo balanço de massa
na carbonização);
- “Produção de
energia do fuste de Eucalyptus grandis”, Vale, A. T et al, UnB, 1997 –
PCS = 4.640 kcal/kg;
- “Principles of World Science”,
Côté, N. A et al, Springer Verlag, 1962 – PCS = 4.500 kcal/kg.
O valor médio desses dados
é PCS = 4.510 ± 220 kcal/kg.
O teor de hidrogênio da
madeira é mostrado na tabela abaixo:
Tabela
1 – Características físico-químicas da lenha seca de Eucalyptus
Grandis (SPT-008)
Constituinte
|
Carbono
|
Oxigênio
|
Hidrogênio
|
Teor % em massa
|
50
|
44
|
6
|
Cada grama de hidrogênio
gera 9 g de água; assim, a combustão de 60g contidas em 1 kg da lenha
gera 540g de água. O PCI é:
PCI = PCS –
massa de água x (1 kcal/kg.°C * 75°C + 540 kcal/kg), no caso:
PCI = 4.510 –
0,540 x 615 = 4.178 kcal/kg.[3]
O coeficiente de emissão da
lenha calculado com esses dados é:
fc = 0,500kgc /(4.178
kcal/kg * 4,186 kJ/kcal) = (0,495 / 18,3 * 106) kgc / MJ =
28,6 tC /TJ.
Este resultado difere em
menos de 5% do coeficiente recomendado pelo IPCC.
b) Carvão vegetal.
A revisão do balanço de
carbono para o carvão vegetal visa a proposição de um conjunto
coerente de coeficientes de emissão a ser usado em trabalhos futuros.
A produção do carvão vegetal deixa, como sub-produtos, o alcatrão
insolúvel que pode ser recuperado em condições econômicas para ser
usado como combustível, o líquido pirolenhoso, contendo água, alcatrão
solúvel, ácido acético, metanol e gases. As proporções das substâncias
resultantes da pirólise variam com a qualidade da lenha e com a
temperatura de pirólise. O alcatrão é uma substância mal
caracterizada, fato que, aliado à variação de sua composição com a
temperatura de carbonização, dificulta a avaliação de sua contribuição
para o fator de emissão global.
As características das
substâncias serão avaliadas a 400°C, temperatura típica da pirólise
praticada comercialmente no Brasil. A proporção das várias substâncias
pode ser descrita com boa aproximação pela equação de reação[4]:
2C42
H66 O28 3 C16 H10
O2 + 28 H2 O + 5 CO2 + 3 CO + C28
H46 O9.
Os
teores dos elementos de interesse calculados pela equação acima são
satisfatoriamente próximos daqueles citados na SPT-008 do CETEC para a
lenha seca, como se mostra:
Tabela 2 – Composição elementar da lenha de E. grandis.
Elemento
|
Carbono
|
Oxigênio
|
Hidrogênio
|
Equação
|
0,495
|
0,440
|
0,064
|
SPT 008
|
0,500
|
0,433
|
0,061
|
Observe-se
que a fase de aquecimento da lenha até a temperatura de pirólise não
está incluída na equação. Na prática, uma fração da lenha
carregada no forno de carbonização, estimada em 5% em massa, é
queimada com o forno aberto, em condições atmosféricas,
emitindo
predominantemente CO2 calculável com o coeficiente
apropriado[5].
O uso da equação acima, juntamente com os poderes caloríficos obtidos
das Publicações Técnicas, permite calcular os coeficientes de emissão
da lenha, do carvão vegetal e dos efluentes líquidos e gasosos.
Tabela 3 –
Dados para o cálculo de coeficientes de emissão para lenha e carvão
vegetal.
|
Lenha
|
Carvão Vegetal
|
Água
|
CO2
|
CO
|
Alcatrão +
pirolenhoso
|
Massa
– g
|
2036
|
702
|
504
|
220
|
84
|
526
|
M. carbono – g
|
1008
|
576
|
-
|
60
|
36
|
336
|
Teor C
|
0,496
|
0,821
|
-
|
0,273
|
0,429
|
0,639
|
PCS – kcal/kg
|
4510
|
6940
|
-
|
0
|
2350
|
6610 (alcatrão)
|
PCI
|
4178
|
6750
|
-
|
0
|
2350
|
6390(alcatrão)
|
Coef.Emis.
tC/TJ
|
28,6
|
29,1
|
-
|
0
|
43,6
|
23,9
|
c) Produtos da cana
de açúcar:
O
coeficiente de emissão para o álcool calculado pela fórmula química
(18,8 tC/TJ) difere pouco do apurado no balanço das Emissões (18,5 tC/TJ),
sugerindo que a contabilidade do carbono nos insumos e produtos está
correta. O coeficiente usado no inventário, no entanto, é bastante
inferior a este valor (14,81 tC/TJ) já que levou em conta apenas o
teor de CO2 emitido pelos veículos.
O
balanço consolidado para destilarias (tabela 16, p. 36 do Relatório
Final) considera como insumos o caldo de cana, o melaço e outras
recuperações, e como produtos o álcool anidro e o hidratado. O bagaço,
que corresponde à parte fibrosa da cana, não é contabilizado no
sistema destilaria. O melaço é subproduto da indústria de açúcar, o
que mostra ter havido alguma dificuldade em tratar a indústria
sucroalcooleira como sistema. Não sendo nosso propósito, nesta fase,
incluir a produção de açúcar, procuramos tratar apenas da produção de
álcool, considerando como insumo a cana (açúcares fermentáveis -
representados pela sacarose - fibras e água); como produto e
co-produto aparecem o álcool (em anidro equivalente) e o bagaço
excedente; os rejeitos são os gases de combustão, representados pelo
CO2, o gás de fermentação (CO2 de fato) e o
glicerol, considerado como representante dos compostos de carbono
rejeitados como vinhoto. A tabela a seguir mostra o fluxo de compostos
de carbono na destilaria, os teores de carbono das substâncias
consideradas e o balanço de carbono.
Tabela 4 – Dados para o balanço de carbono de
destilaria de álcool.
|
Componente
|
t/tCana
|
Teor de C
|
Massa
C
|
PCI TJ/t
|
f C
|
Insumos
|
Sacarose
|
0,1401
|
0,4214
|
- 0,059
|
|
|
Fibras
|
0,1401
|
0,4432
|
- 0,062
|
|
|
|
Produtos
|
Álcool
|
0,060
|
0,522
|
+ 0,031
|
0,0278
|
18,8
|
Bagaço exc.
|
0,0222
|
0,443
|
+ 0,014
|
0,0183*
|
24,2
|
|
Rejeitos
|
CO2
comb.
|
0,190
|
0,273
|
+ 0,052
|
|
|
CO2
fermen.
|
0,073
|
0,273
|
+ 0,020
|
|
|
|
Glicerol vinh.
|
0,0053
|
0,3914
|
+ 0,002
|
|
|
Σ
MC =- 0,001 ( 0,8 %) * base seca
1 –
“Balanço das emissões de gases do efeito estufa na produção e uso do
etanol no Brasil” SMA/SP – 2004
2
–
“Análise Exergética da Produção de Etanol da Cana-de-Açúcar”, Esteves,
O.A. – Diss. Mestrado em Planejamento Energético – CCTN/UFMG-1995.
3
–“Tratamento de Efluentes na Indústria Sucroalcooleira”, CTC
Copersucar-1995.
4
–
Fórmulas: Sacarose C12 H22 O11 –
Glicerol C3 H8 O3
Com o
tratamento descrito, o balanço de carbono para destilaria de álcool
fecha com desvio relativo inferior a 1%.
Conclusão
Tabela 4 - (Resumo) Comparação entre os valores
recomendados pelo IPCC e os propostos no presente trabalho em tC/TJ
|
Este Trabalho
|
IPCC
|
Trabalho de Referência COPPE/MCT
|
Lenha
|
28,6
|
29,9
|
29,9
|
Carvão Vegetal
|
29,1
|
29,9
|
29,9
|
Alcatrão +
pirolenhoso
|
23,9
|
-
|
-
|
Álcool etílico
|
18,8
|
-
|
14,81
|
Bagaço Excedente
|
24,2
|
29,9
|
29,9
|
[1]
Naturalmente isto não inclui a eventual destruição do estoque de
biomassa acumulada em florestas nativas.
[2] A água
geralmente contida na lenha não entra nesse cálculo, devendo ser
eliminada pela secagem preliminar da amostra em estufa ou ser
excluída da massa da amostra.
[3] O Balanço
Energético Nacional/2001 registra PCI = 3.100 kcal/kg para lenha
comercial com 25% de umidade.
[4] A SPT-008
menciona como origem da informação o trabalho de Klar, M “Technologie
de la distillation du bois”, Librairie Poly Technique,
Paris, 1925.
[5] “Emissões
de gases de efeito estufa na produção e no uso do carvão vegetal”,
Ferreira, O.C
-E&E, nº 20, 2000.